O português brasileiro é uma variação do português europeu que só se fala na América do Sul. Podemos dizer também que em nenhum outro lugar do mundo a língua portuguesa sofreu a influência de tantas culturas diferentes como ocorreu aqui no território brasileiro. O português brasileiro é uma sopa, na qual seu ingrediente principal é português europeu, mas o sabor final contou com uma grande variedade de elementos. E como foi que isso aconteceu?
Essa história começa em 1500, com a chegada dos portugueses. Nesse primeiro momento, os jesuítas aprenderam o tupinambá, a língua mais falada em todo o litoral do Brasil. E, assim, conseguiram manter a comunicação entre os invasores e os nativos, expandindo também seu projeto de catequização e conquista definitiva da região. Depois de aprender a língua dos povos originários, os jesuítas criaram a língua geral, uma espécie de mistura entre o português do século XVI e o idioma tupi-guarani. A língua geral foi o idioma mais falado pela base da pirâmide brasileira até 1757, quando ele foi proibido definitivamente e o português foi decretado o idioma oficial da colônia. De acordo com historiadores, durante quase três séculos era com a língua geral que os brasileiros se comunicavam nos vilarejos, no comércio e até no ensino das escolas.
Por volta ainda de 1530, Portugal passou a sequestrar povos africanos para trabalhos forçados na colônia da América. Eram pessoas de diferentes origens, nações e culturas, falantes de diversos idiomas, que foram obrigadas a aprender a língua do novo território para sobreviver. O Brasil foi o país que mais explorou o trabalho forçado dos africanos em todo o mundo, por mais de trezentos anos. E a população escravizada do país se tornou superior à população livre. Os idiomas desses povos foram se fundindo ao português, ao longo dos séculos.
Os livros de escola no Brasil costumam limitar a influência indígena e africana no português brasileiro a algumas palavras do cotidiano. Mas os especialistas afirmam que essa influência vai muito além. Como exemplo, podemos citar a marcação do plural apenas na primeira palavra da frase: “As criança brinca”. Um modo de falar típico de comunidades em que predomina a ascendência afro-indígena. A forma correta é “As crianças brincam”, mas o que parece um “erro” de gramática é na verdade um processo de “africanização” do português. Estudos mostram que muitas das línguas indígenas e africanas marcam o plural deste mesmo modo. Esses grupos étnicos foram historicamente excluídos do acesso à educação formal no país, por isso eles também não internalizaram muitas das estruturas gramaticais do idioma oficial. Com isso a “africanização” do português falado por eles ainda se mantém até hoje em variados contextos linguísticos.
Entre os séculos XVI e XVII, outros povos europeus estiveram nas terras brasileiras na tentativa de conquista do território. Os Franceses construíram a França Antártida no Rio de Janeiro e a França Equinocial no Maranhão. E os holandeses estiveram por vinte anos no domínio de estados nordestinas como Bahia, Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte. Mesmo sendo expulsos pelos portugueses, eles deixaram sinais de sua passagem pelo país presentes na cultura desses lugares. Sinais às vezes mais visíveis no espaço, como a arquitetura, às vezes mais escondidos na cultura, como influências nos costumes e nos sotaques.
No final do século XIX, o governo brasileiro acabou com o sistema de escravidão de seres humanos no Brasil. Por medo de acontecer aqui a mesma revolução que aconteceu no Haiti, o governo criou a “política de embranquecimento da população” e estimulou a imigração de europeus e asiáticos para o país. Os povos que mais chegaram aqui naquele momento foram os alemães, os italianos, os chineses e os japoneses. Políticas de assistência foram criadas para receber as famílias de imigrantes. Esses povos terminaram de temperar português brasileiro. Eles precisaram aprender os costumes e o idioma do lugar, mas também contribuíram com sua cultura e consequentemente influenciaram a língua que se fala hoje no Brasil.
Assim o português do Brasil é o resultado da interação entre vários povos ao longo dos séculos. Cada um com a sua "cor" e em circunstâncias sociais específicas, usando o português europeu como ferramenta de comunicação entre eles. Foi dessa dinâmica sócio-histórica que surgiu o português brasileiro. Esta sopa linguística de sabores únicos, que assim como tudo no país abunda diversidade e multiculturalismo.
Núbia Farias
Vocabulário:
Ingrediente: elemento de uma mistura de vários elementos. Um dos alimentos de um prato. Exemplo: os ingredientes do bolo são ovos, leite, açúcar...
Tupinambá: língua da família tupi-guarani,
Tupi-guarani: um dos mais importantes idiomas da América do Sul antes da colonização.
Decretado: particípio do verbo decretar. Decretar: ordenar, regulamentar. Por exemplo: o presidente decretou a nova lei.
Sequestrar: levar uma pessoa para algum lugar por meio da força, ilegalmente.
Cotidiano: dia a dia, rotina diária.
Sotaques: maneira de falar um idioma, pronúncias diferentes de uma mesma língua.
Escravidão: sistema de servidão, sistema que retira a liberdade do indivíduo.
Temperar: adicionar condimentos para melhorar o sabor da comida
Referências bibliográficas:
A Arte da Gramática da Língua mais usada na Costa do Brasil – José de Anchieta. Editor: Coimbra: Antonio de Mariz. Data do documento: 1595.
Como falam os Brasileiros – Yonne Leite e Dinah Callou. Editora: Jorge Zahar, 2004.
O Brasil dos Imigrantes – Lúcia Lipi Oliveira. Editora: Zahar, 2000.
Os Índios Antes do Brasil – Calos Fausto. Editora: Jorge Zahar, 2000.
Preconceito Linguístico – Marcos Bagno. Editora: Parábola Editorial, 2015.
Raízes do Brasil – Sérgio Buarque de Holanda, Editora: Companhia das Letras, 1997.
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